sábado, 12 de março de 2011

A difícil passagem do tecnozoico ao ecozoico - Leoardo Boff

As
grandes crises comportam grandes decisões. Há decisões que significam
vida ou morte para certas sociedades, para uma instituição ou para uma
pessoa.
A situação atual é a  de um doente ao qual o médico diz: ou você
controla suas altas taxas de colesterol e  sua pressão  ou vai enfrentar
o pior. Você escolhe.
A humanidade como um todo está com febre e doente e deve decidir: ou
continuar com seu ritmo alucinado de produção e consumo, sempre
garantindo a subida do PIB nacional e mundial, ritmo altamente hostil à
vida, ou enfrentar dentro de pouco as reações do sistema-Terra que já
deu sinais claros de estresse global. Não tememos um cataclisma nuclear,
não impossível mas improvável, o que significaria o fim da espécie
humana. Receamos, isto sim, como muitos cientistas advertem, por uma
mudança repentina, abrupta e dramática do clima que, rapidamente,
dizimaria muitíssimas espécies e colocaria sob grande risco  a nossa
civilização.
Isso não é uma fantasia  sinistra. Já o relatório do IPPC de 2001
acenava para esta eventualidade. O relatório da U.S. National Academy of
Sciences de 2002 afirmava ?que recentes evidências científicas apontam
para a presença de uma acelerada e vasta mudança climática; o novo
paradigma de uma abrupta mudança no sistema climático está bem
estabelecida pela pesquisa já há 10 anos, no entanto este conhecimento é
pouco difundido e parcamente tomado em conta pelos analistas sociais?.
Richard Alley, presidente da U.S. National Academy of Sciences Committee
on Abrupt Climate Change com seu grupo comprovou que, ao sair da última
idade do gelo, há 11 mil anos, o clima da Terra subiu 9 graus em apenas
10 anos (dados em R.W.Miller, Global Climate Disruption and Social
Justice, N.Y 2010). Se isso ocorrer consosco estaríamos enfrentando uma
hecatombe ambiental e social de consequências dramáticas.
O que está, finalmente, em jogo com a questão climática? Estão em jogo
duas práticas em relação à Terra e a seus recursos limitados. Elas
fundam duas eras de nossa história: a tecnozoica e a ecozoica.
Na tecnozoica se utiliza um potente instrumental, inventado nos últimos
séculos, a tecno-ciência, com a qual se explora de forma sistemática e
com cada vez mais rapidez todos os recursos, especialmente em benefício
para as minorias mundiais, deixando à margem grande parte da humanidade.
Praticamente toda a Terra foi ocupada e explorada. Ela ficou saturada de
toxinas, elementos químicos e gases de efeito estufa a ponto de perder
sua capacidade de metabolizá-los. O sintoma mais claro desta sua
incapacidade é a febre que tomou conta do Planeta.
Na ecozoica se considera a Terra dentro da evolução. Por mais de 13,7
bilhões de anos o universo existe e está em expansão, empurrado pela
insondável energia de fundo e pelas quatro interações que sustentam e
alimentam cada coisa. Ele constitui um processo unitário, diverso e
complexo que produziu as grandes estrelas vermelhas, as galáxias, o
nosso Sol, os planetas e nossa Terra. Gerou também as primeiras células
vivas, os organismos multicelulares, a proliferação da fauna  e da
flora, a autoconsciência humana pela qual nos sentimos parte do Todo e
responsáveis pelo Planeta. Todo este processo envolve a Terra até o
momento atual. Respeitado em sua dinâmica, ele permite a Terra manter
sua vitalidade e  seu equilíbrio.
O futuro se joga entre aqueles comprometidos com a era tecnozoica com os
riscos que encerra e aqueles que assumiram a ecozoica, lutam para manter
os ritmos da Terra, produzem e consomem dentro de seus limites e que
colocam a perpetuidade e o bem-estar humano e da comunidade terrestre
como seu principal interesse.
Se não fizermos esta passagem dificilmente escaparemos do abismo, já
cavado lá na frente.


www.leonardoboff.com.br

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